Projeto faz de Paraisópolis celeiro do rúgbi e transforma vida de jovens
Iniciativa na terceira maior favela do país completa duas décadas; muitos jogadores vão para seleção ou atuam em times fora do Brasil
Os jogadores correndo atrás da bola no campo de várzea na favela é uma cena comum no cotidiano das comunidades do Brasil. Porém, em Paraisópolis o esporte é outro: o rúgbi. Um dos principais motivos para o crescimento do esporte é o trabalho feito por projetos que apresentam a modalidade aos jovens.
A prova desse avanço está na terceira maior favela do Brasil. Dentro do campo do Palmeirinha acontece o Rugby Para Todos, o primeiro projeto social de rúgbi dentro das comunidades brasileiras.
“Para quem não tinha dinheiro, o rúgbi era inacessível. Então a gente queria quebrar essa barreira”, conta Maurício Draghi, diretor administrativo e cofundador do projeto. A iniciativa, que nasceu em 2004, ensina as técnicas e a cultura do jogo para crianças e adolescentes dentro da favela.
Maurício fundou o programa ao lado de Fabricio Kobashi. Apaixonados pelo esporte, acreditaram que era possível usar a modalidade como ferramenta para o desenvolvimento humano dentro da favela. “O maior impacto é na formação de indivíduos, eles acabam virando líderes no seu núcleo, seja na sua família ou na sua escola.”
Muitos jogadores que passaram pelo projeto atualmente fazem parte da seleção brasileira ou atuam em outros times dentro ou fora do Brasil. Maurício, que jogou até Copa do Mundo pelo Brasil, fala sobre o sentimento de orgulho ao ver atletas que um dia fizeram parte do programa alcançando grandes voos dentro do esporte.
“Isso é muito transformador e inspirador para outras crianças e familiares. Hoje na comunidade essas pessoas são referências. É muito gratificante a gente acompanhar e ajudar nesse processo.”
Atualmente a iniciativa atende 250 jovens de Paraisópolis, estudantes de escola pública e prioritariamente em situação de vulnerabilidade social. As turmas são divididas entre 50% de meninas e meninos, com idade entre 7 e 18 anos.
Além de ensinar as técnicas do esporte, o Rugby para Todos busca ocupar o tempo dos jovens após o horário da escola, desenvolvendo as competências individuais e sociais de cada jovem. Além disso, a iniciativa também realiza acompanhamento nutricional e psicológico dos alunos.
“O Paraisópolis sempre foi um ninho de jogadores de alto nível de rúgbi”, afirma Robson Morais, 26, o Varejão, uma das crias do projeto. O atleta começou no esporte em 2015, aos 17 anos, através do Rugby Para Todos. Hoje ele é jogador da seleção brasileira.
Varejão, que tem suas raízes em Paraisópolis, está iniciando uma nova etapa na sua carreira. Após passar por um período de testes, neste ano jogará por dois times na liga francesa, o Entente Vendres Lespignan e o Agde, no sul do país europeu.
“Eu identifiquei que era a oportunidade da minha vida. E subindo níveis na França, vou ser útil para a seleção brasileira e realizo o sonho de conhecer o mundo, explorar uma cultura e aprender uma língua”, diz o atleta.
No Brasil há cerca de 5.100 atletas ativos em competições oficiais e 25 mil cadastrados no sistema da Confederação Brasileira de Rugby. A instituição estima que 60 mil jovens são impactados por programas de fomento à modalidade no Brasil através da Lei de Incentivo ao Esporte, instrumento que estimula pessoas e empresas a patrocinar programas esportivos.
“Eu tinha 10 anos quando conheci o projeto social Rugby Para Todos, na favela de Paraisópolis. Meu irmão começou primeiro, eu via o sorriso e a felicidade dele, então me interessei em jogar também”, diz Rodrigo Silva, 26, atleta revelado no programa.
Rodrigo, que também está indo jogar na França, relembra a importância do projeto na sua vida e para superar os desafios atuais da sua carreira. “O Rugby Para Todos me preparou para ser uma pessoa melhor, não desviar para caminhos ruins, não desrespeitar ninguém e ser leal a quem está do lado.”
Assim como Varejão, Rodrigo também se despede de um clube, o Pasteur Athlétique Club. A equipe é uma das parceiras do Rugby Para Todos há 20 anos. Em 2024, 20% dos jogadores que atuaram pelo Pasteur no time masculino adulto são de Paraisópolis.
A união entre clubes de rúgbi e programas sociais tornou-se fundamental para o desenvolvimento do esporte no Brasil. O intercâmbio entre as iniciativas e as equipes possibilita que os jovens atletas evoluam dentro do esporte e acessem novas etapas na carreira ao disputar grandes campeonatos.
“Muitos dos craques hoje vêm das comunidades, então o nível de jogo de um clube aumenta muito quando existem esses projetos”, diz Claire Meignié, vice-presidente do Conselho de Administração do Pasteur Athlétique Club.
Além de oferecer oportunidades para jovens criarem sua trajetória dentro da modalidade, essa troca torna os clubes cada vez mais diversos e plurais em um esporte que já foi considerado elitista no Brasil. “A convivência e a mistura entre pessoas de horizontes totalmente diferentes, isso é o que traz ensinamentos e oportunidades de vida”, completa Meignié.
O programa Rugby Para Todos atualmente possui mais duas unidades fora de Paraisópolis. Em 2024, o projeto iniciou suas atividades em Guarulhos, na Grande São Paulo, e atende jovens 200 crianças e adolescentes. A outra unidade está no Rio de Janeiro, com instalações em quatro pontos da cidade.
*Reportagem publicada em parceria com o jornal Folha de S.Paulo.
Repórter do Espaço do Povo, é cria do Jardim Ângela, formado em jornalismo e tem vivência em redação e assessoria de imprensa.