Moradores de Paraisópolis mudam rotina desde início das operações da PM
Com medo de abordagens, população evita sair à noite; secretaria da Segurança de SP diz que policiais seguem rígido protocolo
“Não é a ação da polícia, não é a ação da polícia contra a criminalidade. É a ação violenta e repressiva contra os próprios moradores que é o anormal dessa situação. Quem está recebendo a hostilidade e a escalada da violência são as pessoas que moram no local”, afirma Geovan Oliveira, 35, líder evangélico em Paraisópolis, sobre as operações da Polícia Militar dentro da comunidade localizada na zona sul de São Paulo.
Nascido e criado em Paraisópolis, ele diz observar que a sensação de medo e insegurança tem provocado alterações no cotidiano dos moradores.
“Vejo pessoas com medo de fazer o trajeto por ruas em que andavam naturalmente, mães e pais receosos em mandar os filhos comprarem pão na padaria”, diz.
A operação Impacto Paz e Proteção em Paraisópolis foi deflagrada em março deste ano. Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública) do estado, mais de 600 quilos de drogas foram apreendidos, 11 armas de fogo de diferentes calibres foram retiradas das ruas e 22 criminosos foragidos da Justiça foram presos durante a ação.
Camila Alves, 23, conta que desde o início da operação tem ficado mais em casa e prestado mais atenção às notícias nas redes sociais.
“Precisei conversar com o pessoal do meu trabalho para sair mais cedo e chegar em casa ainda quando está claro para ter mais segurança”, explica ela, que trabalha na República, na região central da cidade.
William Maciel, 25, diz que parou de ficar andando muito tarde na rua. “No tempo livre gosto de ir em um barzinho para ter um tempo de qualidade. Quando o bar que eu ia foi invadido e jogaram bombas dentro fiquei receoso em ir lá de novo ou em qualquer outro lugar”, diz.
Ao entrar e sair de moto de Paraisópolis, Charles Ramos, 40, conta que sente medo quando sabe das operações e que comprou uma câmera para colocar em seu capacete para fazer registros de seu trajeto.
A mudança na rotina é sentida no coletivo. Segundo o produtor cultural, Raul Nunes, 30, a interrupção do baile da DZ7, um dos mais conhecidos da cidade, impactou o comércio na região.
“O maior atrativo na comunidade é o baile funk com os seus prós e contras. Gera renda, economia e entretenimento na comunidade. São pessoas que trabalham e no final de semana querem tirar um lazer para curtir com os amigos”, afirma.
O presidente de uma ONG, que pediu para não ser identificado, afirma que foi preciso alterar o horário de entrega de doações que aconteciam no início da noite, depois do horário de trabalho, para o período da tarde. De acordo com ele, moradores não estavam mais saindo à noite, com medo. Ele diz ter ainda percebido uma diminuição no número de retiradas de alimentos e de cestas básicas.
Em julho deste ano, uma série de denúncias sobre ações de violência policial na comunidade motivou a criação do comitê de crise Paraisópolis Exige Respeito.
O grupo formado pela Ouvidoria da Polícia, lideranças comunitárias, entidades de defesa dos direitos humanos e parlamentares tem recebido inúmeras queixas que envolvem invasão de domicílios, abordagens agressivas, impedimento do direito de ir e vir, toque de recolher entre comerciantes e mais.
No mesmo mês, o grupo promoveu uma caminhada em Paraisópolis a fim de ouvir moradores e coletar mais elementos para um dossiê que será entregue ao comandante Geral da Polícia Militar, ao Ministério Público e à Defensoria Pública.
Em nota, o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), que elabora o relatório, disse que o documento “trará casos concretos bem como detalhes de suas ocorrências e ainda trará recomendações”.
“Em período pré-eleitoral houve uma diminuição das operações violentas, pelo menos as reclamações diminuíram bastante. Mas após as eleições cremos que aumentará a pressão da PM na comunidade, assim como em todo estado”, afirma em nota o órgão, ligado à Secretaria da Justiça e Cidadania paulista e um dos mais importantes na defesa dos direitos humanos no estado.
Questionada sobre o protocolo de abordagem adotado durante as operações, a secretaria da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) não respondeu. Disse apenas que a Polícia Militar segue “rígidos protocolos operacionais e não tolera desvios de conduta”.
“Todas as denúncias são apuradas rigorosamente e, caso confirmadas, resultam na punição dos envolvidos”, afirma a pasta.
*Reportagem publicada em parceria com o jornal Folha de S.Paulo.
Jornalista, repórter do Espaço do Povo e correspondente local de Osasco, na Grande São Paulo, na Agência Mural de Jornalismo das Periferias.