A fome que o excesso não sacia

Vivemos na era do “mais”. Mais produtividade, mais seguidores, mais cursos, mais autocuidado, mais performance, mais plenitude. Parece bonito na teoria. Mas, na prática, o que se vê é gente exausta, colecionando metas como quem coleciona vazios.
A gente aprendeu a agradecer pelo que sobra. Pelo que vem depois. Pelo que é grande, bonito, extraordinário. Mas há uma revolução silenciosa em agradecer antes. Antes de tudo dar certo. Antes da vida entrar nos eixos. Antes do milagre acontecer.
Gratidão, no fundo, não é sobre ter — é sobre enxergar. E, talvez, essa seja a arte mais urgente da nossa geração: conseguir ver valor naquilo que já existe.
Estamos mergulhados numa era em que somos constantemente empurrados para o excesso — de produtividade, de visibilidade, de controle. Tudo é “pouco” diante do que deveria ser. A consequência? Nos tornamos compulsivos por mais. Mais metas, mais conquistas, mais motivos para sermos gratos… lá na frente.
E é assim que a cultura do excesso vai nos ensinando, que nunca é o bastante. Mas e se a gratidão não for um destino? E se ela for uma lente?
Em vez de esperar o extraordinário, a gratidão nos chama para notar o agora. Para perceber que há beleza nas entrelinhas, sentido no silêncio, aconchego nas rotinas que repetimos sem pensar. Que o café quente de manhã, a risada de um filho, a respiração tranquila no fim do dia — tudo isso já é vida pulsando.
Enquanto o mundo nos convida a consumir, acumular, ultrapassar, a gratidão nos convida a pausar, perceber e se contentar. E, nesse gesto, desmontamos a lógica da escassez que governa o excesso.
Afinal, a verdadeira riqueza talvez seja essa: continuar desejando o que se tem. Sentar-se com a própria vida e, sem precisar de fogos de artifício, dizer com sinceridade: “isso me basta… e me transborda”.
Não há problema em desejar o mais — contanto que esse “mais” não se torne um ídolo. O perigo não está no sonho, mas na cegueira que ele pode causar. Agradecer pelo que se tem é resistir à idolatria do ideal. É abrir os olhos para o agora e descobrir que o contentamento não é ausência de desejo, mas presença de gratidão.
Porque no fim das contas, é a gratidão que nutre. O excesso, não. Ele apenas engana o estômago da alma — e nos deixa famintos pelo que sempre esteve aqui.
Psicóloga Clínica, especialista em Psicologia Positiva e Ciência do bem estar e autorrealização. CRP 6/124208