Pais modernos
Pais maravilhosos sempre existiram, claro. Assim como pais carrascos ou ausentes. E também (talvez a maioria) os mais ou menos, com defeitos e qualidades. Há um gradiente na escala de exercício da paternidade.
Não quero ser ingênua, mas vendo o lado bom das coisas, acho que atualmente talvez seja menos complexo ser um pai melhor. E vejo isso na prática: tive um pai incrível, correto, provedor (à custa de muito trabalho), amoroso a seu modo, bom aluno na escola da vida (de forma a flexibilizar, no decorrer do tempo, seu estilo inicial mais autoritário na relação com os filhos). Mas o melhor pai que conheço é meu filho João. Certamente ele tem condições mais propícias para atingir esse patamar. Vejamos alguns pontos.
Primeiro: hoje as pessoas podem escolher se querem ou não ser pais – e isso faz toda a diferença. Um caso público e bastante comentado foi o do apresentador e humorista Fábio Porchat, que encerrou seu casamento porque a então esposa queria ter filhos e ele, não. Porchat não me parece menos humano, ou menos interessante, ou menos inteligente por essa decisão (seja ela temporária ou definitiva). E é muito melhor ser um pai por vontade própria que por imposição social. Existe (muita) vida fora da paternidade ou da maternidade, ao contrário do que pensa J. D. Vance (candidato a vice-presidente nas próximas eleições norte-americanas, na chapa de Donald Trump), que taxou preconceituosamente sua adversária Kamala Harris de “mulher dos gatos” – referência às mulheres sem filhos que adotam pets. Na opinião desse político, são “infelizes com as próprias escolhas, e por isso querem tornar o resto do país miserável também”.
Meu filho João pensou (junto com minha nora) na responsabilidade que seria ter filhos – esse é um fato! -, discutiu até comigo sobre isso, e então decidiu por ter meus netos. Mas poderia ter decidido diferente, e nada haveria de errado nisso. Meu pai provavelmente não teve a chance de se questionar sobre o assunto, já que em sua época o “normal” seria casar e ter filhos, ponto.
Segundo: hoje temos muito mais informações sobre o que é ser humano. Há putilhões de possibilidades, e não um único padrão sobre o que é o “normal”. Alguns se dão bem na escola; outros, não; certas crianças e jovens talvez se encaixem mais em atividades esportivas, musicais ou outras. Sabemos que existem questões como TDAH, autismo etc. Reconhecemos um gradiente de possibilidades de gênero, e não apenas a clássica divisão binária. Entendemos que crianças podem ter dificuldades, tristezas e depressões. Não dá para exigir de todos os mesmos desempenhos. Aliás, o ideal é nem ter exigências na escala de sucesso, mas abrir possibilidades para que as crianças e jovens as conheçam e possam escolher, cada um de acordo com suas aptidões e capacidades.
Terceiro: hoje sabemos muito mais sobre a importância da interação com as crianças, desde que nascem – em especial com pai e mãe (ou quem desempenhe esses papéis). A divisão pai-provedor + mãe-cuidadora não é a melhor combinação. Estudos ao longo de décadas ajudaram a cristalizar a noção de que a vida cognitiva das crianças é fervilhante, e é fundamental a fase dos zero aos cinco anos na formação de adultos saudáveis. Pais de hoje têm mais chance de entender essa importância, sem as restrições existentes antigamente, até de contato físico entre pais e filhos. Cuidar, brincar, interagir, entender são, sim, atribuições (também) dos pais.
Igualmente inédita é a disputa de pais em casos de separação conjugal para obter (nos acordos judiciais) mais tempo com os filhos. Tenho visto diversos casos assim. São pais que querem mesmo viver a paternidade, e não apenas desempenhar o papel de provedor.
Enfim, ser pai continua sendo desafiador. Mas é positivo que, cada vez mais, os homens encarem a paternidade como opção, e a exerçam com intensidade.
É mãe, avó e executiva do Grupo Folha e do Grupo UOL.