Pais e avós
Meu neto Felipe (nove anos) adora fuçar nas gavetas de minha casa, e sempre acha “tesouros”. Dia destes, encontrou um pacote de figurinhas da Copa de 2022, que ele desenhou e me vendeu na época. Comentário de agora: “Alpiste (meu codinome para os netos), só você mesmo para pagar 50 reais por essa porcaria”. Ou seja: eles sabem que fazem de mim gato e sapato, e ainda se divertem com isso.
Meu filho e minha nora não me deixam inflacionar o mercado. Exemplo: recentemente impediram-me de pagar 20 reais por desenho, que ilustrarão um livro (cada um dos meninos fez cinco). Ainda argumentei: “Tem os direitos autorais! E se essas obras conquistarem fama mundial?” Não adiantou esse meu exagero, e os meninos tiveram de receber uma miséria pelos desenhos. Devo ser como todas as avós, derretida pelos netos e uma “escrava” a serviço das vontades deles. Quando fico sozinha com eles, minha nora diz, ao sair: “Não judiem do Alpiste!”
Parece fenômeno geral. Há vídeos engraçados na internet comparando os papéis de mãe versus os de avó. A mãe cansada, brava, com olheiras e caricaturalmente ameaçadora, chinelo à mão, tentando fazer filhos comerem direito, arrumarem os brinquedos etc; em seguida, em outra cena, a avó, atendendo a todas as vontades dos netos, deixando-os comer batata frita e miojo, e feliz diante da bagunça das crianças.
Meus filhos dizem que pulei uma etapa (a de mãe) e com eles já fui diretamente avó. Não concordo muito, mas eles dizem que eu os deixava fazer tudo. Lembro que o mais novo, Mateus, aos seis ou sete anos, me ensinava a “lidar com crianças”. Via o programa “Super Nanny”, onde uma especialista ensina aos pais como lidar com crianças difíceis e, à noite, quando eu chegava do trabalho, me relatava o que fazer em cada situação.
Nesse quesito, acho que em alguma medida reproduzi o estilo dos meus pais. Nós, os oito filhos, tínhamos relativa liberdade na confusão da casa, no dia a dia (e quem conseguiria ficar de olho em tantas crianças, tendo ainda de dar conta do sustento e cuidar da comida daquela multidão, das roupas etc.?). A única inflexibilidade era em relação à honestidade e ao respeito pelos outros, sempre. Concluo: como é importante ter pais saudáveis e um lar com clima pacífico (mesmo lembrando, como disse Caetano Veloso, que “de perto ninguém é normal”)! Li estudo acadêmico argumentando que lares mais relaxados, menos rígidos, são melhores para a saúde mental das crianças. Concordo!
Mas também é verdade que cada filho enxerga os pais de forma diferente. Sempre que nós, irmãos, relembramos episódios de nossa família (em geral, os muito engraçados), fica nítida essa diferença. Talvez eu tenha a imagem mais positiva de nossos pais, porque de fato tive sorte: fui a primeira mulher depois de três homens e, segundo um dos irmãos, meu pai, muito mais rígido, “amoleceu” com o surgimento de uma menina em casa. É certo que filhos mais velhos sentem mais a insegurança dos pais, pela necessidade de eles mostrarem autoridade. Com mais experiência, essa insegurança pode desaparecer e, com ela, a rigidez.
Minha única irmã, que nasceu 10 anos depois de mim (ao final, o grupo tinha seis homens e duas mulheres), achava que eu era a preferida de nosso pai, e se sentia enciumada. Eu tentava compensar informando: “Pois você é minha preferida!”. Como eu a tratava como “filha”, até pela diferença de idade, acho que um papel compensou um pouco o outro, de forma que ela se sentia especial também. Ela já se foi, e faz muita falta!
Ainda bem que temos essa flexibilidade de papéis – mães que são avós, pais que também são mães, irmãos que se protegem uns aos outros. Em qualquer configuração, o que vale é buscar a melhor convivência possível, sempre com muito amor.
É mãe, avó e executiva do Grupo Folha e do Grupo UOL.