Os altos e baixos da vida

 Os altos e baixos da vida

Imagem: Imagem de freepik

Recentemente escrevi texto chamado “A melhor fase da vida”, onde descrevi conversa com um amigo querido sobre as vantagens desta etapa dos sessenta (e muitos) anos em diante. Ponderamos estar com boa saúde (para a idade) e desfrutando de um conjunto de fatores que nos permite usufruir de relativa paz interior. Listamos a sensação de “missão cumprida” diante do fato de os respectivos filhos estarem criados e serem pessoas do bem. Também destacamos a importância de nossas carreiras profissionais, que geraram (e geram) satisfação e nos permitiram acumular um pé-de-meia que “dará para o gasto” na velhice.

Tudo isso contribui para reduzir a ansiedade e as inseguranças que, ao menos no meu caso, foram companheiras de viagem ao longo do tempo. Meu amigo e eu finalizamos o papo destacando ser essa constatação – a de que estamos na melhor fase da vida – um privilégio, visto que a população brasileira está envelhecendo (como mostraram os Dados do Censo de 2022) e grande parte das pessoas com mais idade vive em situação de pobreza e vulnerabilidade.

Nas semanas seguintes, repensei a conversa à luz da realidade próxima. Continuo concordando com todas as nossas conclusões, avaliadas sob a visão retrospectiva. Mas essas constatações não são – nem poderiam ser – antídotos para as chacoalhadas que a vida continua nos dando, com as mortes, doenças e sofrimentos de pessoas próximas (e das não próximas também). Já enfrentei esses sofrimentos quando meus pais, irmãos e outras pessoas queridas se foram. Mas a idade nos faz encarar mais de frente a finitude – a dos outros e a própria.

Já afirmei em outros textos (e reitero) que, mesmo desejando viver o máximo possível – desde que bem -, não tenho medo da morte. Acho necessário pressupor um fim que dá sentido a um ciclo de vida (na literatura e nos filmes, o mitológico e imortal vampiro aparece sempre como um ser infeliz).

Lembro-me de minha avó materna, a querida Noi, que morria de medo de morrer. Como ela era uma pândega, e zero rabugenta ou carente, isso soava até engraçado. Um de seus temores era o risco que a iluminação elétrica representava durante tempestades (o invento do Thomas Edson nunca teve vez em sua casa de barro, no sítio onde morou até o final, sempre iluminada por lampiões). Quando vinha para a nossa casa da cidade, e se começasse a chover, seus grandes olhos azuis arregalavam. E então ela tentava se afastar de todas as lâmpadas e tomadas da casa – o que era quase impossível. Todos os cômodos eram “arriscados”. Durante tempestades com raios e trovões, ela desfiava o terço em orações, sem parar, até que o terror cessasse. Um dia, a vó Noi se foi (nada a ver com raios). Ela fez (e faz) falta.

Então, mesmo na “melhor fase da vida” (e no meu caso, sem sofrer com o medo da morte), não temos o poder de controlar o desenrolar dos acontecimentos, nem podemos nos desviar do sofrimento. O que podemos fazer, sempre, é estar em sintonia com os outros, entendê-los e manter o amor que, afinal, justifica essa nossa vida passageira.

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É mãe, avó e executiva do Grupo Folha e do Grupo UOL.

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