Mães solo: a cultura do abandono paterno e o acúmulo de responsabilização para as mulheres

 Mães solo: a cultura do abandono paterno e o acúmulo de responsabilização para as mulheres

Fernanda e seus filhos – Crédito: Luis Maike

De acordo com com Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a maioria dos domicílios no Brasil é chefiada por mulheres

Mãe. Uma palavra que todos conhecem e já associam ao cuidado, ao lar. Sabemos de todos os desafios que elas passam e, mesmo assim, a maternidade é constantemente romantizada. Na maioria das vezes, são as mulheres que assumem toda a responsabilidade dos filhos, mesmo quando estão em um relacionamento. Agora imagine para as mães solo, que vivem com suas crias sem nenhuma rede de apoio. Quão exaustivo ter que assumir tudo e ainda ter que lidar com o abandono, a solidão e os julgamentos.

Para Jessica Lousada, especialista em direito das famílias e mãe solo, rara são às vezes que uma mulher planeja exercer a maternidade solo. E isso, não significa estar em um relacionamento ou não. Não existe mãe solteira, ser mãe não é estado civil. Em um contexto geral, a mãe solo é aquela mulher que exerce sozinha ou com o mínimo de apoio os deveres de criação de um filho.

“É exaustivo ter que assumir tudo, sabendo que existe uma outra pessoa que também tem os mesmos deveres, mas não cumpre. Ser mãe é genuíno, é, sim, a exteriorização do amor, mas, nada disso ratifica a normalização do abandono ou a falta do cumprimento dos deveres parentais. A minha maternidade é linda, mas, ao mesmo tempo, extremamente cansativa, estou cansada de ser uma mulher cansada”, explica a especialista.

E como podemos observar, essa realidade para quem se torna mãe nessa geração não tem sido diferente das mulheres de outras décadas, de acordo com Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a maioria dos domicílios no Brasil é chefiada por mulheres, 50,8% de lares possuem liderança feminina, o correspondente a 38,1 milhões de famílias, sendo o maior número mulheres negras, 21,5 milhões de lares e as não negras, 16,6 milhões, no 3º trimestre de 2022. 

Como é o caso da Fernanda Martins, mãe solo de cinco crianças entre 9 e 2 anos, chefe de família, mora numa ocupação em Paraisópolis, segunda maior favela de São Paulo. Para ela, a maior dificuldade é ter que lidar com a preocupação diária de não deixar faltar nada para os filhos, sem trabalho fixo e apenas com o auxílio social do governo. 

“Eu conto com ajuda de pessoas e, de vez em quando, do meu pai, pois minha maior dificuldade é não deixar faltar nada para as crianças, não trabalho fixo, faço bicos e recebo o bolsa família”, conta Fernanda.

“É muito fácil dizer que sonha ser pai, em uma sociedade que já se acostumou em colocar toda a responsabilidade na mulher. Por sua vez, o homem que cria o filho, que é uma quantidade ínfima, terceiriza os cuidados, seja para a avó, para uma tia, por exemplo. E mesmo assim, é visto como herói. O homem que faz o mínimo é aplaudido, a mulher que dá conta de tudo, não fez mais do que a obrigação”, ressalta a especialista.

Para que essa situação seja superada, é importante que as mães busquem auxílio jurídico para responsabilizar os pais judicialmente, se necessário.

“Realmente sozinha eu não dou conta, a minha filha Manuele, de 7 anos, mora com a minha ex-sogra, e eu percebo o jeito que as pessoas me olham, o preconceito me acomete todos os dias, coisa que não acontece com o pai dos meus filhos”, enfatiza Fernanda.

Não podemos esquecer que o maternar é ato político, não à toa que o direito de família está na Constituição, o Estado precisa que a criança e o adolescente, se apresentem na condição de cidadão para a vida adulta,” finaliza a especialista Jessica.

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