Imortalidade
Na fase final da vida, meu pai, com sua verve cômica, dizia: “Quase 90 anos! Onde já se viu isso?” Era sua forma de dizer – com ironia e sem queixas – que já estava de bom tamanho ter vivido tanto. Não precisava mais.
Concordo com ele. Viver pode ser muito bom – e agradeço a sorte de ter a minha vida, com altos e baixos (como as de todos), mas com muita gente amada e interessante à minha volta. Isso faz a vida valer a pena. Mas não me incluo entre aqueles que dariam a vida… para ter mais tempo de vida.
Sei que a busca da imortalidade nasceu com a própria humanidade. Antigos egípcios construíam pirâmides protegendo os corpos mumificados de seus faraós, para que revivessem. Na mitologia, o tema também é recorrente. Outros, obsessivos, acabaram morrendo envenenados justamente por substâncias mágicas que os fariam viver eternamente.
Na prática, o conhecimento tem sido o responsável por alongar o tempo de vida. Redução de índices de violência, vacinação, medicamentos cada vez mais sofisticados, procedimentos de saneamento básico e cuidados com o corpo e a mente têm contribuído para aumentar muito a expectativa média de vida: menos de 30 anos na Idade Média e agora, 74 anos entre as mulheres e 69 entre homens na média mundial (dados da OMS de 2016).
Essa média varia de acordo com o grau de desenvolvimento: no Japão, chega a mais de 88 anos, e em alguns países da África não atinge os 40 anos. No Brasil, a esperança de vida é de 80 anos entre mulheres e 73 anos entre homens, segundo projeções do IBGE (em 2019). Por aqui, o salto foi enorme nas últimas décadas: na média geral, a expectativa de vida era de somente 48 anos em 1960.
Não é só. A ciência tem também buscado formas de alongar ou de quase perpetuar a existência, tratando a velhice como “doença” a ser combatida. Não me refiro à tentativa de alguns de cuidar obsessivamente da aparência, a ponto de se tornarem seres esticados e deformados. Refiro-me a substâncias que atacam o processo de envelhecimento e as doenças decorrentes da idade.
Mas a pergunta é: será que vale a pena a “imortalidade”? Mesmo para quem leva uma vida interessante – e me incluo nesse grupo – a perspectiva de um fim faz sentido, faz da existência um ciclo, uma espécie de missão a ser concluída.
De certa forma, meus pais são imortais, pelo que fizeram e pelo legado moral que deixaram aos filhos e seus descendentes. Não é à toa que a família continua a reverenciá-los em conversas engraçadas, ao vivo ou virtualmente, partilhando fotos e memórias, e imaginando a fala de cada um diante de fatos atuais. Então – e respeitando quem pensa diferente – talvez eu prefira esse tipo de imortalidade. Afinal, onde já se viu querer perambular para sempre por esse mundão velho?
É mãe, avó e executiva do Grupo Folha e do Grupo UOL.