Falta de acessibilidade interfere no cotidiano de moradores de Paraisópolis

 Falta de acessibilidade interfere no cotidiano de moradores de Paraisópolis

Diagnosticada com osteogênese imperfeita, Maria do Carmo Silva, 49, enfrenta dificuldades para se locomover em Paraisópolis. Foto: Anderson Jesus/ Grupo Cria Brasil

Diagnosticada com osteogênese imperfeita, Maria do Carmo Silva, 49, enfrenta dificuldades para se locomover na rua das Jangadas, em Paraisópolis, zona sul de São Paulo. As calçadas desniveladas, estreitas para circulação de pedestres, e os obstáculos no percurso estão em desacordo com a legislação.

Morando há 20 anos no bairro, ela trabalha em casa como manicure e costuma sair para consultas médicas. “Faço alongamento em casa e preciso fazer caminhada. Se tivesse um local mais plano, como uma praça, seria bom para caminhar”, diz.

As dificuldades relatadas por Maria do Carmo são repetidas por outros moradores com deficiência e mobilidade reduzida na região. Nas palavras do filósofo e consultor Marcelo Zig, a acessibilidade é um artigo de luxo, restrito a bairros nobres das cidades brasileiras.

“As pessoas com deficiência periféricas têm dificuldades de sair de casa para estudar, trabalhar, ter um momento de cultura e lazer”, afirma ele, que criou em 2020 o Quilombo PCD, coletivo que defende direitos de pessoas negras e daquelas com deficiência.

Os obstáculos começam na porta de casa. Luzia Andrade da Costa, 39, se dedica integralmente ao cuidado do filho Richard, 10, que é cadeirante. Uma semana atrás, ela morava com o marido e os dois filhos na rua Herbert Spencer. Não havia escada no local, mas um degrau que fazia com que fosse necessário levantar a cadeira de rodas ao sair de casa. “A rua não é nada adaptada. Tenho o pulso fora do lugar e já deu problema numa subida aqui quando tive que levantar a cadeira”, diz.

Agora, a família está na rua Iratinga, no mesmo bairro. A nova residência, diz, permite que Richard tenha mais qualidade de vida, mas eles ainda precisam enfrentar três degraus até o portão.

“Um dos grandes problemas é que não tem calçadas em Paraisópolis. A prefeitura não olha para a questão das crianças com deficiência. Deveria ter mais investimento em melhorias e no apoio aos pais”, comenta.

Da porta de casa para fora, são outros desafios. Há cinco anos, Matheus Vitor dos Santos, 27, pratica basquete em cadeira de rodas. Os treinos acontecem três vezes por semana e ele precisa ir de Paraisópolis até o Ipiranga, em um percurso de quase uma hora e meia usando o transporte público. “No ônibus deveria ter mais de um lugar para cadeira de rodas. Quando vou sair com meus amigos não podemos ir juntos porque só tem um lugar. Às vezes estou atrasado e, se já tem uma pessoa com deficiência, tenho que esperar outro para ir”, diz.

Assim como Maria do Carmo, ele mora na rua das Jangadas e também relata dificuldades de locomoção devido a buracos e falta de rampas nos comércios. Para Matheus, a falta de fiscalização contribui para que os espaços não sejam acessíveis.

Pela legislação paulistana, é do proprietário do imóvel a responsabilidade pela construção, conservação, reforma e manutenção de suas calçadas. E elas devem seguir um padrão que prevê, em outros, que as faixas livres, dedicadas exclusivamente à circulação de pedestres, tenham superfície regular, firme, contínua, com 1,20 m de largura e sem degraus.

Em caso de más condições ou falta de acessibilidade, o infrator é multado e intimado a regularizar a situação. De janeiro a maio deste ano, na cidade, foram aplicadas 399 multas —mais da metade do volume de todo o ano passado. Pedidos de fiscalização podem ser feitos por meio dos canais oficiais da prefeitura, como o telefone e o Portal 156 e unidades do Descomplica.

“A Prefeitura de São Paulo busca manter o diálogo com os munícipes para que as calçadas estejam dentro dos padrões ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas], permitindo que o direito de ir e vir seja respeitado”, diz em nota Subprefeitura do Campo Limpo.

Questionada, a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência não apontou quais são as ações adotadas ou com previsão de implantação especificamente nas periferias a fim de garantir a inclusão de pessoas com deficiência.

Disse por nota que “Paraisópolis conta com o Centro Especializado em Reabilitação (CER) III Campo Limpo que realiza cerca de 2.500 atendimentos por mês”. Esses espaços, explica a pasta, realiza a “reabilitação multiprofissional nas especialidades de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia a pacientes com deficiência física, auditiva e intelectual”.

Em relação às calçadas, a secretaria da gestão Ricardo Nunes (MDB) afirma que de janeiro de 2021 a abril deste ano quase 800 mil m² foram readequados. A requalificação é feita pela Secretaria Municipal das Subprefeituras de acordo com os padrões e normas contempladas pela ABNT.

A cidade possui o Plano Emergencial de Calçadas (PEC) que prioriza a reforma em lugares com grande fluxo de pedestres e na proximidade de terminais de ônibus, ruas de comércio e pontos turísticos, vias de comércios, escolas e hospitais. A secretaria da Pessoa com Deficiência afirma que, em qualquer intervenção urbana na cidade, é necessário que tenha o rebaixamento de calçada ou a elevação do leito carroçável, chamada de travessia elevada, para permitir a acessibilidade a pessoas em cadeiras de rodas.

“Todos os projetos de acessibilidade da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência são analisados pela Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA), composta por 36 órgãos municipais e entidades representativas da sociedade civil”, afirma a pasta da gestão Nunes.

Marcelo Zig, do Quilombo PCD, defende que as pessoas com deficiência devem participar da elaboração de soluções para o seu dia a dia.

“Nada sobre nós sem nós. Precisamos estar envolvidos em todas as esferas e espaços da sociedade. Principalmente nos ambientes onde são pautadas políticas públicas e definidas as formas que as pessoas vão ocupar as cidades”, diz.

*Reportagem publicada em parceria com o jornal Folha de S.Paulo.

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Jornalista, repórter do Espaço do Povo e correspondente local de Osasco, na Grande São Paulo, na Agência Mural de Jornalismo das Periferias.

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