Rocinha: a favela mais populosa do Brasil nasceu de uma fazenda

 Rocinha: a favela mais populosa do Brasil nasceu de uma fazenda

Crédito :Arquivo Institucional do Fala Roça

Nessa série especial, vamos apresentar a partir do relatos de moradores, histórias das principais favelas do país, começando pela Rocinha, localizada no Rio de Janeiro

Localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, a favela da Rocinha é considerada a maior comunidade do Brasil. Segundo o Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), há 69 mil habitantes na região, porém pelos registros da Light S.A (concessionária de distribuição de energia elétrica) a população é estimada em 120 mil pessoas, já  para os moradores o número ultrapassa 150 mil residentes. 

Em 2013, essa gigantesca comunidade passou a ser considerada um bairro e teve sua área delimitada pela lei nº 1 995/93. O nome “Rocinha” surgiu pelo fato dos moradores que vendiam hortaliças na região da Gávea, informavam aos seus clientes curiosos que os alimentos eram da “rocinha”, lugar que hoje é a favela, mas que antigamente era uma grande fazenda.

A roça que virou favela

O processo de favelização da Rocinha começou por volta de 1940, quando o Rio de Janeiro passava por uma forte migração de trabalhadores rurais para as áreas urbanas em busca de oportunidades nas indústrias que começaram a se instalar no pais. Muitas empresas se estabeleceram longe das regiões centrais das cidades, dificultando o trajeto dos trabalhadores que moravam nos subúrbios do centro. Com isso, muitas pessoas passaram a se mudar para perto das fábricas, um dos motivos da Rocinha ter crescido sem nenhuma regularização dos terrenos, as pessoas construíam barracos da noite pro dia, resultando em uma “urbanização desordenada”.

Ao mesmo tempo em que a Rocinha crescia como comunidade, sem nenhum amparo do poder público e sem nenhuma infraestrutura, os moradores passaram a lutar por esses direitos, através de manifestações populares e culturais.

Para Antônio Firmino (56), morador da Rocinha há 30 anos, formado em Geografia, e articulador cultural da favela, fala que cultura e educação andam sempre juntas. “As manifestações culturais são muito mais do que só entretenimento, é a construção de relações com as pessoas, é a troca de saberes e fazeres”, explica.

Antônio está entre o grupo de pessoas que trabalham fielmente para preservar as memórias da favela. Em 2007, ano que ocorreu o Fórum Cultural da Rocinha realizado por várias instituições e artistas do território, surgiu a ideia de criar o grupo pró-museu da Rocinha, no ano seguinte. Em 2011, o projeto foi incluído no Programa Pontos de Memória/Instituto Brasileiro de Museus (Ibram/MinC) como Ponto de Memória. 

Batizado de “Museu Sankofa”, leva esse nome em representação ao ideograma presente no adinkra, conjunto de símbolos ideográficos dos povos acã, grupo linguístico da África Ocidental. Representado por um pássaro mítico que tem os pés para frente e cabeça para trás, Sankofa reforça a ideia de que para construir o presente e o futuro, é preciso olhar o passado, ou seja, o museu internaliza as memórias e histórias locais da favela com a cidade do Rio de Janeiro. 

Atualmente, o acervo conta com 19 mil documentos, porém, ele não tem um espaço físico fixo, ou seja, é um museu itinerante, que percorre os becos e ruas da favela, composto por fotos, documentos, objetos e filmes sobre a história e o cotidiano da favela, mas que, segundo Antônio, em breve poderá ser visitado digitalmente.

Fala Roça: comunicação comunitária como resistência

Michel Silva (29), nascido e criado na favela da Rocinha, começou sua trajetória como jornalista em 2011. Tudo começou pelo fato dele não aceitar como o jornalismo tradicional retrata a realidade da favela: “eu percebi que a Rocinha era retratada de uma forma muito marginalizada e estigmatizada pelos veículos tradicionais”, disse. 

A partir daí, em 2013, Michel criou o jornal Fala Roça, com o objetivo de trazer representatividade para o território, através do projeto “Agência de Redes Para a Juventude” que estimula jovens periféricos a colocarem suas ideias em prática. com 19 anos na época, Michel encontrou outros jovens que tinham o mesmo pensamento para dar vida ao jornal impresso da Rocinha e para a Rocinha. 

O jornalista conta que a escolha do nome do jornal se deu por quererem preservar a memória histórica da favela. A produção é feita de maneira independente e, sem investimento público ou privado, o jornal precisou deixar de ser impresso em outubro de 2021, mas as notícias permanecem sendo publicadas de maneira digital no site do veículo. 

“A versão impressa foi lançada em 2013 e, em seguida, também fomos para a versão digital, porque percebemos que não íamos ter grana para poder continuar com as impressões”, explica Michel. “Estamos passando por um processo de aceleração de negócios e pretendemos voltar com o impresso ainda esse ano”, completa.

Um dos fatores que destaca o jornalismo local do Rio de Janeiro é o fato deles sempre estarem envolvidos com questões sociais da favela. O comunicador explica que o jornalista de favela não faz só jornalismo, ele também executa projetos sociais em seus territórios.

“É uma questão muito antiga, as pessoas nas favelas criam iniciativas comunitárias para preencher as lacunas que o Estado deixa, então, nós mesmos se auto organizamos como comunidade”, conta.

Já outro fator muito presente no exercício da profissão dos jornalistas de favela no Rio é a censura. Muitas produções e matérias acabam não sendo publicadas, por que o jornalista pode ser confundido como X9 [fofoqueira ou cagueta], por isso é importante que todos do território conheçam o jornalista.

Hoje, o jornal Fala Roça é uma associação de comunicação sem fins lucrativos, com isso tem apoio de instituições e conseguem pagar uma equipe fixa de quatro jornalistas que também são moradores da favela. Mesmo antes da criação do jornal, os moradores sempre tiveram seus meios de comunicação próprios. Um exemplo é o jornal Tagarela, que no período da Ditadura Militar trazia temas focados na mobilização comunitária.

Acesse o site do jornal Fala Roça

Digiqole Ad

Relacionados