Sair ou ficar na favela
Um assunto que aparece na roda de amigos é o assunto “sair ou ficar na favela”, alguns com opiniões diferentes e fortes como a de que alguns moradores ficam, pois são assistidos diariamente por Organizações do Terceiro Setor e consequentemente não pensam em mudar sua realidade conformada, aparecem.
Argumentos do tipo são generalizadores e preconceituosos, se cria uma mentalidade que o favelado não pode ter ou não tem perspectivas de melhorar a sua realidade e de seus familiares de dentro ou de fora. A quem queira sair e os que queiram ficar, ambas opiniões devem ser respeitadas e serão consideradas neste breve texto sobre minha ótica de experiência.
Um fator que faz com que os moradores permaneçam ou queiram permanecer é o sentimento de pertencimento. Esse sentimento é uma ligação psicológica e afetiva entre o morador e a favela, em que o indivíduo se vê como parte de uma comunidade. A permanência na favela faz sentido, pois encontram em comum histórias e vivências compartilhadas, você não é um simples morador… compartilha lealdade, respeito, dores, amores, signos em comuns, um espaço fértil que nutre e reconstrói todos os dias essa sensação de pertencimento do local.
Outro movimento que faz com que um indivíduo saia da favela é a insegurança, evidente que quando o assunto é “violência” cada favela possui sua particularidade, mas todas em maior ou menor grau tem esse problema como uma realidade que distorce a normalidade cotidiana. É comum se deparar com dezenas de policiais em uma manhã dentro de sua rotina habitual com suas metralhadoras, fuzis e pistolas caminhando pela favela ou eventualmente se deparar com uma troca de tiros em que você de nada tem haver. Na favela o jogo pode virar e a normalidade ser distorcida em poucos segundos.
A facilidade que a favela proporciona também é um fator que faz o morador permanecer, ideias como “a favela não dorme” ou “é possível 24h encontrar produtos para o consumo ou diversão” são fatores presentes nessa decisão. Nas grandes favelas pelo brasil é possível encontrar agências bancárias tradicionais, assistência odontológica, entre outros benefícios que antigamente precisaria sair da favela para se obter.
A privacidade e a convivência com o caos urbano e o aspecto financeiro são aspectos determinantes para aqueles que quando melhoram financeiramente procuram locais mais organizados e silenciosos, existe o oposto nesse jogo os que preferem continuar na favela, pois financeiramente é mais viável morar e viver.
Por tanto sair da favela se imagina que pode gerar uma maior segurança, privacidade, sossego e silêncio, é um conjunto de fatores insatisfatórios que levam a escolha de sair desses territórios. Por outro lado, se deve pensar e lutar por melhores condições de vida, sombra e água fresca para os que ficam. A qualidade de vida deve chegar para os que saem e para os que permanecem. Por fim, aos que me leem deixo uma dica: a mudança é a única constante, a única certeza, mesmo que isso por vezes tenha que partir de nós mesmos.
Cria de Paraisópolis, bacharel em Lazer e Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Pesquisador com foco na periferia e sua dialética com o Lazer e Turismo. Teve contato com projetos de impacto social em Paraisópolis e em áreas da Zona Leste.