Adeus Louro! Conheça um pouco da trajetória de um homem que representa muito para Paraisópolis
Publicado no Jornal Espaço do Povo 31 – Abril 2014
Por Keli Gois e Francisca Rodrigues / Agência Paraisópolis
Honesto, generoso e bondoso, estes são os adjetivos que resumem a trajetória de um homem que representa muito para Paraisópolis
Quem não conheceu Lourival Clemente da Silva? O “Louro”, aquele do Mercado do Louro, um dos primeiros comércios de Paraisópolis. Mesmo aqueles moradores mais recentes têm ouvido falar desse homem que ajudou muita gente. Na história de Paraisópolis ele aparece como um grande personagem, não nas escrituras, mas na memória de quem fez a vida aqui e de quem ajudou a construir a comunidade.
Assim como muitos migrantes nordestinos que vieram tentar a vida em São Paulo, Louro saiu de Alagoas no início da década de 60, aos 29 anos, com sua esposa Maria Luiz da Silva em busca de uma oportunidade. Começou como servente de pedreiro e ajudou a construir o nobre bairro que hoje cerca Paraisópolis.
Cada árvore se conhece pelo fruto. Basta conversar com seus filhos para saber o grande homem que ele foi. A equipe do Jornal Espaço do Povo esteve na casa da família e conversou com os filhos, Gilson e Gilberto, que contaram um pouco da história desse grande homem, que aos 79 anos deixou esposa, quatro filhos, dez netos e uma bisneta.
“Meu pai contou que veio de pau-de-arara. Só tinha a roupa do corpo e a mala, que um dia, enquanto ele dormia, acabaram roubando. Ele ficou sem destino, acabou indo morar em alojamentos e albergues. É isso que eu me orgulho dele, é um vencedor que veio só com a roupa do corpo e deu condições de estudo para os filhos.
Aquela máxima de que por trás de um grande homem tem uma grande mulher é mais que verdadeira, mais que justa, porque durante 50 anos minha mãe sempre esteve ao seu lado.
Ele fez muito pelo início da comunidade. São quase 50 anos aqui, começou com o mercado, que era o “Bar do Louro”. Durante o final de semana ele matava porcos, salgava e saia vendendo. Paraisópolis era uma grande fazenda que acabava de ser loteada, pois foi ocupada entre 1950 e meu pai chegou aqui dez anos depois, só que ele veio com a intenção de melhorar de vida, e como ele era jovem, começou a vender os miúdos de porco.
A minha avó, mãe da minha mãe, acabava de perder o esposo no nordeste. Ele percebeu que precisava auxiliá-la, pois minha mãe queria ir embora e ele falou: – Não, a gente não pode, nós viemos pra cá para mudar de vida.
Assim, na Rua Nossa Senhora Aparecida ele construiu os dois primeiros barracos de madeira em Paraisópolis, isso há 49 anos. Os dois barracos de madeira eram para a minha avó vir com meus dois tios, mas naquela época era muito difícil, você mandava uma carta e até voltar demorava uns três meses. Ele vendeu esses dois barracos e construiu mais dois ao lado, e assim foi. Depois mais pessoas tiveram a mesma ideia.
Surgiu a oportunidade de alugar esse lugar aqui onde hoje é o nosso mercadinho. Iniciou com aquela venda de secos e molhados, cachaça, farinha e feijão e começou a melhorar. Passou a vender a carne seca, a linguiça defumada, e ele foi melhorando. Começou a vender o querosene. Meu pai era muito criativo, para não colocar o querosene dentro da venda e não pegar fogo, ele deixou do lado de fora e canalizou o querosene que ele vendia, pois não tínhamos luz elétrica, água encanada e nem rede de esgoto.
Se puxarmos o cadastro do CNPJ, acredito que o do meu pai tenha sido um dos primeiros comércios a ter realmente registro, junto com o seu Jair da rua do Homero [Rua Herbert Spencer, onde atualmente fica o colégio Homero dos Santos Fortes.
Como em todo bairro, as dificuldades começaram a aparecer. Não tinha energia elétrica e eles conseguiram um ponto de energia perto da Rua Ernest Renan, que era o mais próximo da Giovanni [Av. Giovanni Gronchi], aquela energia era passada em um cano como se fosse água, e os fios chegavam até aqui e iam lá para baixo, e assim começaram a montar as primeiras redes elétricas de Paraisópolis.
Paraisópolis começou a crescer e aí vem a falta de infraestrutura. As ruas estavam todas esburacadas e ele ia nas regionais e por meio de caixinhas as pessoas vinham com as máquinas e deixavam as ruas planadas. Isso era ótimo, mas quando vinha a chuva, esburacava tudo. Na rua Iratinga criava-se valas enormes, a água descia de lá, derrubava os barracos e meu pai tinha que arcar também com as despesas comprando o material para as pessoas.
A lição de vida que o meu pai deixou sempre foi essa: respeitar as pessoas, nunca querer ter o que é dos outros, trabalhar para ter o que é seu. Dentro desse pouco conhecimento cultural que ele tinha, ele procurava dar estudo pra gente. Nós fomos até onde quisemos chegar.
Com os anos 90, começou a vir a modernidade, chegou a luz, o asfalto, Paraisópolis foi crescendo e a gente foi se desenvolvendo e crescendo junto com o bairro. Tornou-se uma referência o mercado do Louro.
A Rua Wilson não existia. Ele abriu para poder ir na direção do Grajaú e Capão Redondo, onde ele também ia com a Teresa – a égua que puxava a carroça.
Assim como a família da minha avó, ele ajudou a trazer outras famílias. Ele construía o barraco, dava o dinheiro da passagem e as pessoas vinham pra cá e já se tornavam seus clientes, e ele foi amarrando isso.
Nos anos 90 teve uma coisa muito marcante na nossa vida. Meu pai tinha por volta de 40 barracos e ele chegou para a minha mãe e disse: “- A partir de amanhã eu não vou querer mais receber aluguel desses barracos, porque as pessoas mal ganham para pagar pra gente e eu não quero mais esses barracos”. Meu pai doou todos eles.
Ele foi uma pessoa batalhadora, nunca desistiu, sempre impôs aos filhos, dentro daquilo que ele tinha como cultura, um caminho correto. Era turrão, mas sua teimosia lhe trouxe mais frutos positivos do que negativos. O patrimônio que ele deixou para os filhos foi o mínimo, o legado que ele deixou foi maior: do migrante nordestino que chegou aqui com a roupa do corpo e conseguiu ter um comércio, uma casa e educar os filhos.
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