Os nove que perdemos: massacre no Baile da DZ7, em Paraisópolis, completa 3 anos
Dos 31 agentes envolvidos na ação policial que causou a morte dos jovens, 13 respondem judicialmente, mas seguem em liberdade
Há três anos, nove jovens saíram de casa em busca de diversão, mas não retornaram. Gustavo Cruz Xavier (14), Marcos Paulo Oliveira dos Santos (16), Dennys Guilherme dos Santos Franco (16), Denys Henrique Quirino da Silva (16), Luara Victória Oliveira (18), Gabriel Rogério de Moraes (20), Eduardo da Silva (21), Bruno Gabriel dos Santos (22) e Mateus dos Santos Costa (23) foram mortos em um dos mais conhecidos bailes funks da capital paulista.
Em 1º de dezembro de 2019, madrugada de domingo, o famoso Baile da DZ7, realizado em Paraisópolis, reunia milhares de jovens em busca de diversão na segunda maior favela de São Paulo. O evento, que acontece desde o início de 1990, é um importante ponto de encontro para os jovens periféricos e favelados da cidade, como conta o produtor de conteúdo sobre funk, educação e política para jovens periféricos, Mateus Fernandes.
“O baile que acontece em Paraisópolis é um dos maiores bailes de rua do estado de São Paulo, e pode ser considerado um patrimônio cultural, para que um jovem preto favelado tenha o direito de se divertir próximo a sua casa”, disse Mateus. “O Baile da DZ7 é cultural, ancestral e a gente espera muito que para as próximas gestões, a gente tenha a segurança de curtir e voltar vivo pra casa”, finaliza Mateus.
Investigação
De acordo com o relatório “O Massacre no Baile da DZ7, Paraisópolis. Relatório 1: Chacina Policial, Institucionalização do Caso e a Dinâmica dos Fatos Segundos as Evidências”*, a comunidade estava sob vigência de dois operativos da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP): uma Operação Saturação e uma Operação Pancadão. A primeira havia intensificado o policiamento ostensivo no território, deslocando agentes de outros batalhões para a região com o objetivo de combater o crime e o tráfico de drogas. A segunda operação era realizada pelo efetivo do 16° Batalhão da Polícia Militar (BPM), com intuito de inibir a formação do baile.
Durante o evento, a polícia recebeu um chamado sobre uma ocorrência nas proximidades do baile, que foi atendido por agentes que faziam parte do patrulhamento rotineiro da área e por outros que participavam da Operação Pancadão. A informação é de que 31 policiais militares em 16 veículos oficiais participaram da ação, que causou pânico e muita correria entre os jovens que estavam no baile.
Nove jovens foram pisoteados em uma viela de Paraisópolis, uma das vítimas foi levada à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Campo Limpo e as demais deram entrada no Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha – Campo Limpo. Todos os jovens chegaram mortos.
Em julho de 2021, o Ministério Público de São Paulo ofereceu denúncia ao Tribunal do Júri da Capital de 13 policiais militares. Destes, 12 foram denunciados por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), e um agente foi indicado como réu por expor pessoas a perigo ao soltar explosivos nelas. Todos os policiais envolvidos foram afastados das ruas, mas continuam em liberdade.
A primeira audiência do caso está marcada para 25/07/2023 no Fórum Criminal da Barra Funda, na capital paulista. Nesse momento, o processo entra na fase de instrução, ou seja, quando serão ouvidas as vítimas sobreviventes, testemunhas, acusados, além de reunidas provas para que o juiz decida se os policiais devem ou não serem submetidos a um júri popular.
“Nenhum dos denunciados está preso. Nenhum! Isso é mais uma revolta, uma tortura pra nós, porque desde 2019 só vemos injustiças sendo cometida com a gente. Aconteceu com os nossos filhos e agora acontece com a gente”, disse Maria Cristina Quirino, mãe de Denys Henrique Quirino da Silva, uma das vítimas do massacre.
Famílias seguem em busca de resposta
De acordo com informações da Defensoria Pública, o Estado reconheceu que houve falhas do poder público na ação que matou os nove jovens. Em setembro deste ano, oito das nove famílias aceitaram o acordo de indenização, mas os valores foram colocados sob sigilo. O acordo não interfere no processo criminal.
“Quero deixar muito claro que esse acordo proposto pelo Estado é uma humilhação. Foi uma maneira de tentar calar a nossa boca, porque teve muitas arbitrariedades, só de ter um termo de sigilo que a gente não pode falar sobre já dá pra perceber”, completa Maria Cristina.
Em 1º de dezembro deste ano, quando o massacre completou três anos, os movimentos sociais de Direitos Humanos organizaram um ato na Praça da Sé, no centro da capital paulista, nomeado como “Os nove que perdemos”, para cobrar respostas das autoridades policiais. O evento contou com a presença de ativistas e familiares das vítimas, apresentação musical da Ana Laura (Emancipa), além de uma missa realizada pelo padre Júlio Lancellotti na Catedral da Sé. Outras manifestações foram realizadas pela cidade.
*O relatório “O Massacre no Baile da DZ7, Paraisópolis. Relatório 1: Chacina Policial, Institucionalização do Caso e a Dinâmica dos Fatos Segundos as Evidências” foi realizado pela Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Unifesp; Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NECDH) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis.
Jornalista com especialização em Políticas Públicas e Projetos Sociais. É editora do jornal Espaço do Povo, colaboradora da Agência Mural de Jornalismo das Periferias e host do podcast Manda Notícias.