Revolta dos Malês completa 190 anos: como o Brasil quase se tornou uma nação muçulmana
QUAIS FORAM OS MOTIVOS DA REVOLTA MALÊ?
Em 1835, a cidade de Salvador na Bahia vivia uma grande manifestação racial e religiosa. Negros africanos de origem islâmica planejaram uma revolta contra a sociedade baiana. Organizaram uma revolução para acabar com a imposição da igreja católica, abolir o regime escravocrata e fundar uma república islâmica no nordeste do Brasil. O movimento ficou conhecido como a revolta dos malês.
COMO ERA A SALVADOR NEGRA DE 1835?
Na época, a cidade de Salvador possuía 65 mil habitantes, porém cerca de 80% da população era formada por negros, e destes, 40% eram escravizados. Parte desta população foi formada por africanos de origem muçulmana, os nagô (iorubá) e haussas. Estes africanos ficaram conhecidos no Brasil como Malês, que provém da palavra Iorubá imalê, que significa muçulmano. A partir deste momento criou-se o mito do negro altivo, questionador e revoltoso, pois eram povos que possuíam bom nível de instrução e não aceitavam romper com a cultura islâmica. Os senhores de escravos, assim como a sociedade baiana, não estavam habituados a lidar com negros tão competentes e hábeis. Estavam acostumados com escravizados submissos e grosseiros, pois já estavam há muito tempo sem contato com suas raízes. A inteligência dos malês rompeu com muitos esteriótipos da época.
Quem eram os negros machos?
Os malês eram estudiosos, sabiam ler e escrever em árabe e fazer contas, por esse motivo eram usados como escravos de ganho e atuavam na área urbana de Salvador. Trabalhavam no comércio vendendo frutas, ou como sapateiros, ferreiros, pedreiros. Fato que lhes garantam maior mobilidade para circular pela cidade e se comunicar com outros escravizados malês e organizar reuniões com os levantes.
Estes negros foram a prova da grande capacidade de mobilização que havia entre os escravizados. Com estratégia e ousadia conseguiram incitar escravizados a participar da revolta. Uma dessas estratégias foi distribuir panfletos escritos em árabe, isso foi uma maneira de divulgar o planejamento do levante sem que os patrões descobrissem os reais interessados do grupo.
Após algumas tentativas de revoltas organizadas pelo malês, foi possível conseguir contestar o poder do governo, a igreja católica e o regime escravista para mudar a realidade da população negra e muçulmana do nordeste do Brasil. O ápice destas manifestações aconteceu no final do Ramadã de 1835, o nono mês do calendário islâmico, dedicado ao jejum e reflexão espiritual, período sagrado para os muçulmanos.
O princípio da revolta
A data escolhida foi a madrugada do dia 24 para 25 de janeiro, pois é o dia da festa conhecida como Lailat al-Qadr, a Noite da Glória, que comemora o dia em que o Corão foi revelado para Maomé. Cerca de 600 negros entre escravizados e libertos se armaram de paus e lançaram e iniciaram uma revolta dos Malês, que era formada exclusivamente por negros africanos.
Reivindicavam pela liberdade para expressar sua religião sem qualquer restrição. Pois no Brasil do século XIX, com exceção do cristianismo, todas as religiões eram consideradas profanas. Isso foi uma tentativa de governo da época de acabar com qualquer relação do escravizado com sua terra natal e sua ancestralidade. Desta forma apagaram a identidade dos negros que chegavam ao Brasil.
OS AMBICIOSOS PLANOS DOS MALÊS
Os planos dos malês consistem em:
- Tomar a cidade de Salvador e engenhos de açúcar e fumo para libertar todos os escravos.
- Acabar com o catolicismo, colocar as imagens das lojas e queimá-las na praça pública.
- Assassinar pessoas brancas por envenenamento e confiscar seus bens e incendiar suas casas.
- Além de tomar o poder do império e assumir o controle da cidade e encerrar o regime escravista local. Porém planejamos escravizar qualquer pessoa que não fosse muçulmana, consequentemente brasileiros negros e mestiços.
Desta forma fundariam uma república islâmica ortodoxa na Bahia, que dominaria a princípio a cidade de Salvador e o Recôncavo baiano e posteriormente dominaria o estado de Pernambuco, após libertar todos os escravizados muçulmanos. O primeiro negro a ser resgatado seria Pacífico Licutan, conhecido como Bilal, foi o líder da revolta dos Malês, que estava preso para pagar dívidas do seu senhor. Porém os planos para resgatar Licutan falharam.
O inicio da batalha
Na madrugada do dia 24 para 25 de janeiro os planos dos malês foram descobertos. A escrava Guilhermina de Souza, junto com seu marido, Liberte Fortunato, denunciou à polícia, que agiu rapidamente para reprimir o levante. Uma reunião de líderes de revolução que acontecia no porão da casa do escravo Manuel Calafate foi descoberta pela polícia.
A revolução foi deflagrada pelos malês durante a fuga na madrugada daquele dia, antecipando o plano de atacar a cidade pela manhã, pois era domingo e a população estava reunida em torno da igreja do Senhor do Bonfim. Poreḿ a polícia conseguiu agir rapidamente sobre o levante. A batalha se concentrou onde atualmente é a Praça Castro Alves. A consequência deste embate foi um grande banho de sangue negro.
A repressão contra os negros rebeldes
A revolta dos Malês foi repreendida de maneira bárbara, o resultado deste conflito foi que 70 negros foram mortos. Outros escravizados pretendiam fugir nadando pelo mar, porém sem sucesso, enquanto os demais foram presos e julgados e condenados às penas severas. Alguns negros foram açoitados, outros foram deportados para outros lugares do Brasil e da África, outros encontrados presos. A pena mais pesada foi para Pacífico Licutan, que recebeu 1.200 chibatadas, consequente a pena de morte.
Após a revolta dos malês, o medo foi instaurado em todas as províncias do Império, principalmente no Rio de Janeiro. As notícias do que aconteceu em Salvador deixaram as autoridades em alerta, submetendo os escravizados africanos à repressão abusiva e extrema vigilância, pois os levantes se inspiraram nas revoluções anteriores, como a evolução do Haiti de 1804, quando todos os escravizados mataram os franceses da ilha caribenha e se tornou um país independente.
Aliás esse sempre foi o grande medo da elite brasileira, permanecer um clima tenso. Pois a maioria da população era negra e escravizada, e através das manifestações que aconteceram no nordeste do Brasil na época, era possível notar que os negros considerados rebeldes conseguiram enfraquecer aos poucos o sistema escravista e inspirar outras manifestações futuras em todo o país.
E SE A REVOLTA DOS MALÊS TISSE VENCIDO? PODEMOS IMAGINAR?
Caso os planos do Malês tenham sido vencidos, podemos imaginar que existiria uma sociedade diferente atualmente. Talvez tivéssimos um estado islâmico no norte do país ou um país inteiro islâmico, que influenciaria nossa cultura e costumes, além de diminuir a influência do Cristianismo em nossa sociedade, deixando apenas religiões de matriz africana como o Umbando e o Candomblé, consequentemente a nossa visão sobre a história dos povos escravizados no Brasil seria diferente.
Repórter do Espaço do Povo, é cria do Jardim Ângela, formado em jornalismo e tem vivência em redação e assessoria de imprensa.