A realidade da lésbica desfem no mercado de trabalho
Ser uma mulher lésbica desfeminilizada no mercado de trabalho não é nada fácil. Nossas habilidades são questionadas constantemente, reduzidas a nossa aparência e comportamento que foge do padrão feminino.
Pouco se fala da dificuldade da lésbica desfem em conseguir emprego e essa pauta não é discutida pelos movimentos sociais como o LGBTQIAP+, profissionais de recursos humanos ou por influencers do Linkedin. Isso é fruto da lesbofobia que insiste em apagar nossa existência.
Travei por meses uma longa batalha para voltar ao mercado de trabalho desde que passei a ter uma leitura social sapatão. Fui rejeitada em cargos de liderança por diversas empresas e depois de alguns meses tive que fazer freelas como garçonete e hostess em cafés mesmo sendo publicitária de formação com aproximadamente 5 anos de atuação em redes sociais. A leitura da lésbica desfem carrega estereótipos que nos colocam como mulheres imaturas e de comportamento rude pela ausência de feminilidade que geralmente significa passividade e delicadeza. Tal característica só é exigida socialmente do sexo feminino, pois é evidente que homens não sofrem com a mesma imposição.
Questionei diversas vezes o que havia de errado com minhas habilidades. Nunca tive problemas com entrevistas de emprego, não fico nervosa e sei conduzir bem uma conversa. Descobri que ter consciência política dói e que a realidade da lésbica desfem era muito pior do que eu imaginava.
Muitas empresas não oferecem um espaço acolhedor para trabalhadoras lésbicas como eu, e fora do ambiente de trabalho as violências homofóbicas são diárias. Os olhares nos transportes e banheiros públicos tornam nossa rotina ainda mais difícil.
É preciso desenvolver políticas públicas para a inclusão e acolhimento desse grupo no mercado de trabalho, mas o apagamento da comunidade lésbica continua o mesmo. Somos sub-representadas na política brasileira, o que dificulta o levantamento de pautas sobre a nossa existência. Hoje temos apenas 10 mulheres lésbicas ocupando cargos políticos em todo Brasil. Fátima Bezerra, governadora do RN, foi a primeira e única mulher lésbica a governar um estado brasileiro e esse feito só aconteceu em 2019. Ela foi reeleita em 2022.
Ao observar a lista de parlamentares lésbicas, é notório que nenhuma delas é desfeminilizada, ou seja, possui uma leitura social lésbica. Muitas desfems optam por abrir mão da sua própria identidade, colocando vestido, maquiagem e até mesmo ao mudar a forma de se comportar para conseguir passar em uma entrevista de emprego.
Se não existem mulheres como nós atuando diretamente na política, como iremos abordar e saber as dores que nos assombram há tantos anos? Se não existem mulheres desfem nos cargos de liderança ou até mesmo no quadro geral de colaboradores, como iremos propor melhorias e inclusão desse grupo no mercado de trabalho?
O silenciamento lésbico é também um dos principais pontos que fazem a taxa de lesbocídio ser tão alta, afinal, o empobrecimento da comunidade contribui grandemente para o extermínio das nossas iguais.
Até quando o mundo continuará fingindo que nós não existimos?
Anne Santos
Artista, lesbofeminista e ativista pelos direitos de lésbicas desfeminilizadas natural da cidade de Januária em Minas Gerais. Fundadora do "Desfeminilizei", projeto social que busca trazer ao público visibilidade e letramento sobre lésbicas desfem.