Egressos do sistema prisional enfrentam estigma em busca de emprego e reintegração social

Cleyton Dias, egresso do sistema prisional, trabalha como mototaxista - Anderson Jorge/CriaBrasil
Ex-detentos criam iniciativas para apoiar essa população, e especialistas criticam falta de ações do Estado
“A sociedade precisa entender que as pessoas que cometem crimes, em algum momento, vão sair do cárcere e elas precisam de uma oportunidade para mudar sua realidade de vida”. A fala é de Karine Vieira, egressa do sistema prisional que fundou uma agência de empregos para ex-presidiários.
Entre janeiro e junho de 2024, 212 mil alvarás de soltura foram emitidos no Brasil, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, sendo 39 mil apenas no estado de São Paulo.
Nem sempre existem oportunidades para pessoas que deixaram a prisão, em grande parte pelo estigma de ser ex-presidiário. Uma saída encontrada por esse grupo é construir o próprio caminho.
É o que fez Karine, que fundou o Instituto Responsa. O projeto já auxiliou mais de 2.500 ex-detentos a entrar no mercado de trabalho, por meio de capacitação, orientação profissional, consultorias e parcerias com empresas.
“A gente só consegue mudar através da oportunidade. É necessário dar oportunidade, educação, capacitação e qualificação profissional e dar oportunidade de geração de renda”, diz.
Em 2023, o governo federal regulamentou o decreto que institui a Política Nacional de Atenção à Pessoa Egressa do Sistema Prisional, estimulando que as pessoas que ainda estão presas se preparem para a vida em liberdade.
Já o auxílio aos egressos do sistema carcerário está previsto na Lei de Execução Penal, que expressa a garantia de assistência material, jurídica, educacional, social, religiosa e de saúde.
Mas Estado não tem auxiliado essas pessoas a se inserirem novamente na sociedade, após anos de reclusão, afirma o advogado criminalista Flávio Roberto. “As políticas para essa população são praticamente nulas. A oferta é muito pequena, porém a demanda é imensa. Portanto, não dá para dizer que tem assistência”, diz.
A advogada Roberta Marina segue na mesma linha. “Hoje a forma como o sistema prisional funciona, ele não promove esse ideal de ressocialização. O sistema viola o direito destas pessoas todos os dias”, diz ela, que atua em coletivos que defendem essas populações.
Para Cleyton Dias, egresso do sistema prisional, apesar de todas as adversidades, ainda é possível trabalhar e viver em sociedade novamente, mesmo com poucas oportunidades.
“Eu procurei não desanimar. É normal as portas se fecharem e se abrirem. A gente não pode se colocar como coitado, como vítimas do sistema, ou vítima do Estado que foi negligente.”
Segundo dados do Relatório Criminal no Brasil, divulgado pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), entre os anos de 2010 e 2021, cerca de 21% das pessoas que deixaram o sistema prisional voltaram à criminalidade já no primeiro ano em liberdade, sendo 29% já no primeiro mês.
Cleyton, que mora em Paraisópolis, a maior favela de São Paulo segundo o IBGE, trabalha como mototaxista dentro da comunidade.
“Todo mundo que sai do sistema prisional, se estiver focado, consegue mudar, sim, e escrever uma nova história”.
Segundo dados do Governo do Estado de São Paulo, o Programa de Atenção ao Egresso e Família, iniciativa que busca auxiliar ex-detentos, realizou 114.044 atendimentos em 2024. Desse universo, foram feitos apenas 506 encaminhamentos para entrevistas de emprego e somente 112 participantes foram inseridos no mercado de trabalho.
Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária afirmou que “de forma contínua, busca oportunidades para que pessoas que saíram do sistema prisional tenham oportunidades de trabalho”.
“Eu não acredito em ressocialização, porque são corpos que não tiveram o direito de serem vistos como sociáveis”, diz Bárbara Querino, 26, dançarina e egressa do sistema prisional.
Bárbara foi acusada injustamente de um crime. Depois de ficar presa por um ano e oito meses, foi absolvida. Após a saída, criou o projeto Vidas Carcerárias Importam.
A iniciativa surgiu durante a pandemia de Covid–19 como uma forma de ajudar as pessoas que não tinham como se manter dentro da prisão, pois suas famílias também passavam por dificuldades devido à crise sanitária.
Atualmente, por meio do do projeto, Bárbara leva para escolas e ONGs das periferias da cidade de São Paulo o diálogo e a troca de informações sobre a realidade enfrentada dentro do presídio. Nos encontros, Bárbara fala sobre como manter os jovens longe das prisões.
“A sociedade também é culpada pelo corpo encarcerado, então ela tem o dever de acolher. Não é passar a mão na cabeça, mas criar mecanismos para que consigam mudar a própria história.”
*Reportagem publicada em parceria com o jornal Folha de S.Paulo.
Repórter do Espaço do Povo, é cria do Jardim Ângela, formado em jornalismo e tem vivência em redação e assessoria de imprensa.