Super heróis, o bem e o mal

 Super heróis, o bem e o mal

Os heróis de antigamente eram simplórios: faziam sempre o “certo”, sabendo decidir claramente pelo bem, distinguindo-o do mal.

O Super-Homem, belo e musculoso, resolvia qualquer imbróglio. Aparecendo inicialmente em quadrinhos publicados em 1938, tornou-se personagem pop, com seus superpoderes (visão raio X, força sobre-humana, capacidade de voar etc). E nos desenhos na TV que víamos na infância, até para nós, crianças, parecia inverossímil ninguém perceber que o repórter Clark Kent se transformava no herói, bastando entrar numa cabine telefônica, vestir seu uniforme, tirar os óculos e deixar um cachinho de cabelo caído na testa. 

Nos anos 40 surgem Batman e Robin. Do seriado na tv, em minha infância (já nos anos 60), lembro-me de que a dupla estava mais para a comédia: Batman tinha barriga proeminente sob o uniforme, e Robin era um rapazinho meio nerd, sempre descobrindo os mistérios dos enigmas enfrentados pela dupla (dizia: “Santo enigma, Batman!”). Bastava que os cidadãos de Gotham City emitissem o sinal de luz com a figura do morcego para a dupla chegar como a salvação de todos.

Feliz (ou infeliz?)mente, a sociedade e o pensamento ficaram mais complexos. Os filmes de super-heróis passaram a apresentá-los como seres falíveis, angustiados por suas decisões, e às vezes questionados pela Justiça oficial.

Batman, por exemplo, nos filmes recentes (muito mais interessantes e elaborados que os antigos) vive numa Gotham City violenta, distópica, e sucumbe aos pensamentos vingativos. Idem para os vilões, que ganham filmes exclusivos para mostrar seus pontos de vista: após acompanhar a história do Coringa, de como foi oprimido e isolado pela sociedade, em algum momento passamos a torcer por ele.

Mais um ponto: no passado, os heróis obviamente agiam à margem da lei, ao fazer “justiça” (ou o que achavam certo) com as próprias mãos. Os vilões não eram julgados em processos com regras antes de serem punidos, não tinham direito a defesa, a advogados etc.

Isso nos leva a questionar: é conveniente alguém ou um grupo, isoladamente – mesmo tendo superpoderes -, decidir o que é certo ou errado para a sociedade, e para sempre? Essa discussão (aqui rasa e simplificada) está no cerne da questão da convivência social. A democracia, sempre difícil de ser implementada e mantida, é a tentativa de exercício equilibrado do poder, poder este dividido em diversas instituições (o Executivo, o Legislativo e Judiciário). Seus pesos e contrapesos servem para tentar impedir que qualquer um desses poderes prevaleça absolutamente. Além disso, a liberdade de imprensa e de expressão deve garantir a informação aos cidadãos. Eleições periódicas, com regras respeitadas, devem permitir o expurgo de maus governantes.

Mas alguns continuam com a cabeça à moda antiga, dos velhos heróis e vilões, preferindo conferir a um suposto super-herói, o “salvador da pátria”, o poder de decisão e de imposição de suas próprias regras. A democracia é a vacina da sociedade para não ficar exclusivamente nas mãos de um ditador (havendo outros poderes para forçar ao equilíbrio). E é fundamental a sociedade, por maioria, poder trocar um maluco, candidato a ditador eterno, através do exercício de eleições periódicas.

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É mãe, avó e executiva do Grupo Folha e do Grupo UOL.

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