Ônibus lotados e atrasados: o preço da gratuidade aos domingos

 Ônibus lotados e atrasados: o preço da gratuidade aos domingos

Rubens Cavallari – 20.set.23/Folhapress

Apesar do aumento de passageiros, a gratuidade dos ônibus aos domingos em São Paulo tem reclamações sobre demora de ônibus e transporte sempre cheio

O programa Domingão Zero lançado em dezembro de 2023 pelo atual prefeito Ricardo Nunes teve como objetivo facilitar o acesso de 2 milhões de pessoas ao lazer, parques, centros culturais e esportivos da cidade. À época, a gratuidade foi anunciada com o slogan “Domingão Tarifa Zero – explore, descubra, viva São Paulo”, no entanto, o uso do transporte público aos finais de semana permanece sendo um desafio para quem mora na periferia da cidade. 

“Uma vez estava indo para o cinema em Santo Amaro (bairro da zona sul), peguei um ônibus que geralmente demora 20 minutos, porém naquele domingo demorou quase 2 horas e veio muito cheio”, conta a estudante Meii Aparecida, 19, moradora do Capão Redondo.

Nos primeiros seis meses de funcionamento, o programa “Domingão Tarifa Zero” transportou 105 milhões de pessoas, representando um aumento 29% no aumento de passageiros aos domingos, em relação aos anos anteriores, segundo dados da SPTrans (São Paulo Transportes), empresa gestora do sistema de transporte público por ônibus na cidade.

Apesar da iniciativa tentar facilitar acesso à cultura e lazer, pegar ônibus aos domingos tornou-se uma mistura de frustração e cansaço. “Dia de domingo é muito ruim porque demora muito. Parece que só tem um ônibus para cada linha, os ônibus que já demoram geralmente, demoram três vezes mais”, completa a estudante.

Mesmo com a gratuidade do transporte de ônibus aos domingos, passageiros reclamam da dificuldade em conseguir usar o serviço, principalmente nas periferias da cidade de São Paulo. Na prática a promessa de facilitar a vida dos passageiros, não tem sido efetiva. Especialistas questionam sobre a falta de planejamento, má distribuição da frota e necessidade de modernização do sistema. “O que a SPTrans precisa fazer é uma análise técnica mais moderna e avaliar qual o nível de serviço que cada bairro e cada região precisa”, analisa o especialista em mobilidade urbana, Rafael Calabria.

A SPTrans informa que a frota de ônibus aos domingos é de 4.868 ônibus espalhados pela cidade e que a oferta é ajustada com base na demanda de passageiros. A empresa afirma que fiscaliza a oferta de serviços de transporte coletivo da cidade de São Paulo e monitora todas as viagens. 

“É necessário mudar o modo como as linhas de ônibus são administradas na cidade de São Paulo. Quando a pessoa para de usar (ônibus), reduz a demanda, então eles vão reduzir a oferta. Então eles (SPTrans) vão só reduzindo o serviço. É uma visão técnica deles que está ultrapassada e muito equivocada”, explica o especialista que complementa que reduzir a oferta só vai precarizar o serviço. 

Segundo dados obtidos pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) junto à SPTrans, nos últimos quatro anos, a frota de ônibus reduziu 20% na cidade de São Paulo. Kauê Silva, 20, morador do Jardim Ângela, extremo sul da cidade de São Paulo, utiliza o transporte coletivo aos domingos para ir trabalhar e tem sofrido com o baixo número de ônibus nas ruas.

“Trabalhei e saí às 20h, porém esperei o ônibus até quase 21h30 no ponto do Capão Redondo, não tinha trânsito nem nada, porém demora muito no domingo”, conta. Os dados da SPTrans também revelam que a linha de ônibus Jardim Horizonte Azul – Capão Redondo (7006/51), usada por Kauê, reduziu em 26% o número de viagens realizadas desde 2019.

A história se repete do outro lado da cidade, Jovana Basílio, 24, moradora da comunidade Vila Nova Jaguaré, na zona oeste, também tem obstáculos para aproveitar seu domingo devido aos problemas do transporte público. “Aos domingos costumo pegar ônibus mais para lazer, visito o Sesc, museus, shopping, normalmente uso as linhas, Barra funda (748R-10) e Sesc Pompeia (8319-10)”.

Em dias da semana, uma viagem do bairro de Jovana até o Sesc Pompéia, levaria em torno de 40 minutos, porém, no final de semana, a espera é maior. “Aos domingos o volume de pessoas deveria ser menor mas, ao meu ver, acaba se mantendo porque costumam demorar mais de 30 minutos para passar”, conta Jovana. 

Segundo o levantamento feito pela Associação Nacional de Transportes Urbanos, no estado de São Paulo existem 29 cidades que possuem algum tipo de gratuidade no transporte público por ônibus, algumas destas cidades estão localizadas na Grande São Paulo, como Itapecerica da Serra e Vargem Grande. 

No ABC paulista, a cidade de São Caetano do Sul atende de forma gratuita os passageiros todos os dias da semana. Implantado em novembro de 2023, segundo dados da Prefeitura, nos primeiros seis meses de passe livre houve aumento de 320% no número de passageiros, além do aumento da frota de ônibus em 24% e implantação de um sistema em que os passageiros podem acompanhar o horário da chegada do ônibus pelo celular através de aplicativo.

Na divisa entre São Paulo e a cidade Osasco uma das estratégias utilizadas pelos passageiros para conseguir chegar aos seus compromissos aos domingos é evitar os ônibus gratuitos para economizar tempo. Moradores chegam a ir até outra cidade e pagar pelo transporte. “Eu moro na zona oeste, mais precisamente no Jardim Boa Vista, bem na divisa com Osasco. Muitas vezes optei por pagar a passagem indo por Osasco só para não ter que esperar pelo “gratuito”,  diz a publicitária Jamile Ferreira, 37. “Já cheguei a esperar 2h em Pinheiros para retornar para casa”, complementa.

Na zona leste da cidade, Anderson Alexandre, 36, morador do Itaim Paulista, conta que os desafios enfrentados ao embarcar no 2202/10 Jardim das Oliveiras / CPTM Guaianazes. “Eu tenho a impressão de que tem menos ônibus que antes da tarifa zero, quando o ônibus chega está extremamente cheio de gente. Lotado”, avalia o professor de história.

Na volta para a casa a história é parecida. “O ônibus saí cheio da estação Guaianazes, muitas vezes a porta nem fecha, tem que fazer um esforço e espremer as pessoas para fechar a porta, é comum ver mulheres, crianças e idosos espremidos nos vidros”, afirma.

A falta de ônibus aliada a superlotação e a má qualidade do transporte pode ser uma combinação perigosa para a saúde dos passageiros da capital paulista. “É comum ver pessoas passando mal devido ao calor, já peguei ônibus com ar-condicionado quebrado, o ônibus com ar-condicionado ele é todo fechado, então ficou um calor insuportável, muita gente passou mal”, revela Anderson.

Pesquisa feita pela SPTrans em 2023 para identificar o perfil dos passageiros de ônibus em São Paulo, revelou que 7% dos passageiros são idosos e 2,5% possuem alguma deficiência física, visual ou intelectual. Entre os entrevistados, 19% são cadeirantes. “A gente vê idosos, crianças e pessoas com necessidades especiais ou até cadeirantes que têm que esperar o próximo ônibus, porque o ônibus está extremamente lotado”, finaliza.

*Reportagem publicada em parceria com o jornal Folha de S.Paulo.

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Repórter do Espaço do Povo, é cria do Jardim Ângela, formado em jornalismo e tem vivência em redação e assessoria de imprensa.

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